O mundo vermelho, preto e branco: 30 anos do primeiro mundial do São Paulo

Jogadores do São Paulo erguendo a Taça do Mundial de Clubes

“Se for para ser atropelado, que seja por uma Ferrari. O São Paulo jogou como legítimo campeão do mundo”, disse Johan Cruyff, um dos grandes gênios da história do futebol e então técnico do Barcelona. Anos depois, Pep Guardiola, pupilo do holandês e volante barcelonista naquela partida, relembrou: “Não tivemos nenhuma ação para competir com eles, quanto mais para ganhar. O São Paulo dominou o mundo”. 

O que fez duas das principais figuras do esporte se renderem ao Tricolor completa exatos 30 anos em 2022. No dia 13 de dezembro de 1992, no Estádio Nacional, em Tóquio, no Japão, o São Paulo venceu o Barcelona por 2 a 1 e se sagrou campeão do Mundial Interclubes. 

 

 

Como os times chegaram? 

Tanto São Paulo quanto Barcelona tiveram sua primeira conquista continental em meados de 92 com traços de dramaticidade. O Tricolor conquistou o título da Libertadores depois de uma série de pênaltis contra o Newell’s Old Boys. Já os blaugranas ergueram a Taça dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões) após vencer a Sampdoria, da Itália, por 1 a 0, já na prorrogação. 

Mas até chegar ao Estádio Nacional de Tóquio, houveram mudanças nas estruturas de ambos os times. Dos titulares que jogaram as finais continentais e se encontraram posteriormente no Mundial, os espanhóis trocaram três dos seus jogadores, enquanto os brasileiros tiveram quatro mudanças — Vítor substituiu Cafu, que foi para a ponta direita; Adílson foi para a zaga, com o experiente Toninho Cerezo como volante; além de Ronaldo Luiz entrar na lateral-esquerda.

Um destaque deve ser dado a Toninho Cerezo. Aos 37 anos, depois de quase uma década fora do país, o experiente volante voltava ao Brasil indicado pelo técnico Telê Santana, que o treinou na Copa de 82. Mas havia um aspecto de revanche para o jogador: antes de vir para o São Paulo, Cerezo estava justamente na Sampdoria, adversário do Barcelona na final europeia.

Antes do Mundial, as duas equipes ainda estavam em alta. Os barcelonistas venceram a Supertaça da Espanha antes de ir para o Japão. Apesar de não ter vencido nenhum título oficial, os são-paulinos foram para o Mundial tendo vencido o primeiro jogo da final do Campeonato Paulista, contra o Palmeiras — e que viria a conquistar na semana seguinte.

 

 

Nível de seleção dentro e fora do campo

O duelo era esperado não só por ser um confronto entre os vencedores das competições continentais, mas também pela alta qualidade dessas equipes. Dos 25 jogadores que entraram em campo, 16 estiveram presentes na Copa do Mundo de 1994 (5 brasileiros, 7 espanhóis, 2 holandeses, 1 búlgaro e 1 dinamarquês). O búlgaro Stoichkov, inclusive, viria a ser considerado o melhor do mundo pela France Football no ano do torneio de seleções. 

Se em campo, o Mundial era uma partida mais que esperada, a disputa entre os técnicos parecia ser um sonho e um espetáculo para os fãs de futebol. De um lado, havia o maior treinador brasileiro da história, de acordo com votação do ge, aquele que treinou a seleção nacional nas Copas de 1982 — para muitos, o Brasil que melhor jogou futebol —, e 1986. Do outro, um dos maiores jogadores de todos os tempos, figura principal do carrossel holandês da Copa de 1974 e, como treinador, da implementação do famoso tiki-taka barcelonista. 

Telê Santana e Johan Cruyff fariam de tudo para tornar essa uma bela partida. E não foi apenas algo especulado, um pacto pelo bom futebol aconteceu entre os dois. De acordo com o árbitro da partida, o argentino Juan Carlos Lostau, ele e os treinadores se encontraram no saguão do hotel em que estavam hospedados. Ali, foi acordado que os jogadores que praticassem antijogo — como uma falta violenta ou o fingimento de uma lesão — seriam substituídos. 

 

 

O jogo 

Apesar de fora de campo haver uma harmonia entre os dois treinadores, dentro dele o clima não era tão amistoso. Segundo alguns jogadores são-paulinos, os blaugranas estavam tratando essa partida como uma revanche. 

Meses antes, em agosto, o São Paulo conquistou o Troféu Teresa Herrera em cima do Barcelona pelo placar de 4 a 1. Mesmo com um placar elástico como aconteceu, os espanhóis trataram a partida com soberba, usando da desculpa de que era um campeonato de pré-temporada e que, no Mundial, as coisas seriam diferentes. 

Em campo, os times estrelados estavam dispostos dessa forma: os comandados de Telê foram Zetti; Vítor, Adílson, Ronaldão e Ronaldo Luis; Toninho Cerezo (Dinho), Pintado e Raí; Cafu, Palhinha e Muller. Já os blaugranas de Cruyff estavam com Zubizarreta, Ferrer, Koeman, e Euzébio; Guardiola, Bakero (Goicoechéa), Amor, Witschge e Beguiristiain (Nadal); Stoichkov e Laudrup.

Com 60 mil pessoas no Estádio Nacional, o que se viu nos primeiros momentos de jogo foi um certo controle por parte do Barcelona. Logo aos 12’, Stoichkov recebe na entrada da área e acerta um belo chute no ângulo direito de Zetti, que pouco pode fazer. 

Um gol que poderia desestabilizar a equipe são-paulina, na verdade, acordou-a. O São Paulo passou a pressionar com boas jogadas pelas laterais, principalmente pela dobradinha na direita Vítor/Cafu. Mas foi pela esquerda, e com um toque de mágica, que o gol de empate saiu. No minuto 28’, Muller puxa um contra ataque e, quando o zagueiro Ferrer acha que ele vai cortar para o meio, o atacante são-paulino corta para a linha de fundo, entortando o espanhol. Muller cruza e Raí, meio de coxa, meio de barriga, empurra para dentro do gol e deixa tudo igual na disputa do Mundial.

Ainda no primeiro tempo, tanto São Paulo quanto Barcelona tiveram chances claras de desempatar a partida. Muller, por cobertura, quase marcou, enquanto o lateral Ronaldo Luís tirou em cima da linha um gol certo da equipe catalã. 

No segundo tempo, quem teve a iniciativa de controlar a partida foi a equipe brasileira. A posse de bola era tricolor, mas o gol não saia. Até que, aos 34’, veio a cobrança de falta que mudou a história do clube. 

Após bela troca de passes, Palhinha é derrubado na meia-lua da grande área. Posicionam-se para cobrança Raí e Cafu. O árbitro autoriza, Raí rola para Cafu, que ajeita de volta. O meia cobra por cima da barreira e acerta o ângulo direito de Zubizarreta, que só pode ficar torcendo para a bola não entrar. 

O craque tricolor sai correndo em direção ao banco de reservas, para comemorar com todos os jogadores e, principalmente, com Telê, que exibia um largo sorriso de satisfação. Uma comemoração inesquecível e única: esse gol colocou o São Paulo Futebol Clube no topo do futebol mundial pela primeira vez. 

 

 

Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê

Se a história do São Paulo foi mudada a partir desse Mundial, o técnico são-paulino fez dessa conquista o seu ponto de redenção para a opinião pública. Isso porque, apesar de buscar um jogo bonito, vistoso e bem jogado, Telê tinha a fama de ser “pé-frio”, já que não conseguiu levar a Seleção de 82 e 86 ao título da Copa do Mundo. 

Apesar de ser um apelido questionável — antes do São Paulo, seu currículo como treinador já trazia estaduais e o Campeonato Brasileiro de 1971 —, foi o Mundial que retirou o estigma de Telê. De um técnico contestado por não entregar os resultados imaginados para o maior de um dos maiores times do Brasil. Sem deixar o seu DNA ofensivo e rápido, Telê conseguiu lavar sua alma e provar a todos sua qualidade.

Melhor para o São Paulo!

 

 

Tricolor Run 2023

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